quinta-feira, 29 de abril de 2010

Barton Fink - Delírios de Hollywood (1991)

Em 1990, antes de finalizar o roteiro de "Ajuste Final", Ethan Coen e Joel Coen passaram por um bloqueio criativo, tal qual Fellini descreveu em sua obra-prima "8 1/2". A dupla então aproveitou a dificuldade para finalizar o projeto inicial, para escrever um outro filme. Surgia então "Barton Fink", filme em que os irmãos Coen retratam a luta de um homem, contra as barreiras intelectuais de sua mente.

Fink (interpretado muito bem por John Turturro) é um homem solitário, que vive à margem da sociedade. Sua intelectualidade não o deixa contemplar as coisas simples da vida. Aclamado em Nova York, por suas peças de contexto social, logo recebe uma proposta irrecusável para escrever filmes em Hollywood, em uma produtora de filmes B.
O produtor do estúdio lhe recebe em seu escritório e promete "mundos e fundos" para o tímido Barton Fink, caso ele escreva um simples filme sobre luta.

Incomodado e totalmente inapto para função que lhe fora incubida, Fink se sente mais sozinho no caloroso cúbiculo de um hotel. Sua cabeça é incapaz de escrever algo linear, sem conteúdo mais profundo. Até que conhece o simpático Charlie Meadows (John Goodman), um simplório corretor que mora no quarto ao lado. O homem se torna uma espécie de figura fetiche para Fink, que o sintentiza como um cidadão comum. Diferente de seu auto-conceito que o define como uma pessoa mergulhada em abstrações mentais. Sua capacidade para encontrar bloqueios criativos é a grande dificuldade que o tenta na hora de escrever o famigerado roteiro. Logo o recém conhecido amigo, torna-se seu maior confidente e pessoa de confiança.

A pressão para que o escritor finalize o filme aumenta gradativamente. Sua falta de criatividade leva-o a conhecer W.P.Mayhew (John Mahoney), um escritor consagragrado, que como Fink fora sugado pela indústria cinematográfica e se tornou bebum. Sua secretária e amante, Audrey Taylor (Judy Davis) tenta ajudar Mayhew em sua batalha diária contra o vício que o acomete. Fink se interessa pela moça, e a pede para que ela o ajude a construir o roteiro de seu filme.

Os fatos se intensificam, quando o protagonista desperta ao lado de Audrey assassinada brutalmente. Além disso, Fink descobre que seu melhor amigo Charlie, na verdade é um psicopata, e que sua aparente simplicidade é uma mera ilusão.

Ethan e Joel Coen deixam claro nesse filme, suas dificuldades durante o processo de criação de um escritor. Como uma crescente, a película torna-se mais complexa e poética. A dupla não se inspira em belas imagens para retratar idéias, mas sim em fatos que aparentemente simples. Tal como um papel de parede descolando, ou um quadro praiano que é constantemente observado por Fink. É como se o principal personagem fosse o alter-ego dos irmãos Coen.

De fato "Barton Fink" evidencia a fuga de seu protagonista que é incapaz de escrever um roteiro banal, devido ao fato dele perseguir uma idéia mais profunda. Tal ideologia é vista como um vício, na qual Fink tenta utopicamente se desvencilhar. E esse fator não lhe persegue apenas na hora de escrever, mas sim em toda sua vida.

"Barton Fink" é um exemplo de cinema de qualidade, com performances estupendas de Turturro e Goodman. Judy Davis também convence com o papel da ajudante de Mayhew, em um personagem chave da trama, cuja representatividade simboliza a ilusória fulga da mente dos escritores.

O dilema entre a banalidade ou a complexidade de uma estrutura narrativa no cinema, espelha a complexa trilha da dupla Ethan e Joel, que beiram o artístico e o mainstream ao mesmo tempo. Fink é a essência dos irmãos que até o começo da década de 1990, eram pouco conhecidos por suas obras pessoais. "Barton Fink" consagrou os irmãos Coen com a Palma de Ouro em Cannes e três indicações ao Academy Awards.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Nashville (1975)

No ápice do escândalo Watergate, que envolveu o alto escalão do poder dos EUA, surgia uma obra que criticava a conturbada sociedade americana do período. A "Era Nixon" mexera com a auto-estima do tão patriótico povo americano, ainda mais após o desfecho frustrante na Guerra do Vietnã.

"Nashville" trata da alienação da população e de suas escolhas erradas para o poder do país. A película de 1975 mescla temas políticos, sociais e até religiosos, usando como pano de fundo uma das mais americanas cidades dos EUA. Localizada no Tennessee, Nashville é um dos maiores pontos de referência para a música popular da terra do Tio Sam.

Robert Altman, já tinha chamado a atenção do público e principalmente da crítica, no final dos anos 60 e começo dos 70. Com "Nashville" o cineasta produziu o maior e melhor projeto de sua filmografia quase impecável (dirigiu bombas como "Popeye" e "Pret a Porter"). Nessa película, Altman desempenhou seu icônico poder sobre atores, mostrando que ele de fato foi um dos grandes cineastas nesse quésito. Ele era capaz de tranformar canastrões em grandes artistas. Lily Tomlin, na época foi indicada ao Oscar de melhor atriz por sua bela atuação nesse filme. Outro mérito de Altman, era a forma sutil em que o diretor mostrava as mazelas sociais dos personagens. Em nenhum momento o filme joga de forma contundente os problemas sofridos para o espectador.

A cena inicial de Nashville, por exemplo, se passa dentro de um estúdio local. Em uma sala é gravado um dissonante "folk", interpretado por Henry Gibson (morto recentemente). Já no ambiente ao lado, um excitante "gospel" é entonado por um agitado e dançante coral negro. Uma jornalista britânica da BBC (interpretada magistralmente por Geraldine Chaplin) tem o trabalho de registrar o movimento de Nashville para um documentário da aclamada emissora. É dela as primeiras frases brilhantes do filme, onde ela compara os músicos negros à antigas tribos africanas. De forma sucinta, Altman critica os falsos valores norte-americanos, advindos da "pátria mãe".

Além do racismo, o filme aborda o famoso "American Dream". Na ocasião da película, Nashville recebe Barbara Jean (Ronee Blakley), uma das mais prestigiadas cantoras de Country dos EUA. Seu carisma perante fãs que a clamam como uma deusa, é usado em pró de uma campanha presidencial. Contudo seu marido, que também é agente da artista, não vê com bons olhos a inclusão da imagem da cantora em uma campanha política.

Inspiradas na cantora, várias mulheres da cidade , e fora também, tentam em vão se apresentar afim de tornassem estrelas. É o caso da desafinada Suellen Gay (Gwen Welles) que na tentativa constrangedora de mostrar seu "talento", despe-se para dezenas de homens que só a queriam cantando para ve-lâ nua. Ou a de uma persistente loira, que no trágico desfecho de "Nashville" consegue enfim mostrar o poder de sua voz, e assim reascender a estima dos desmazelados e excluídos da sociedade norte-americana.

A música "I´m Easy" do até então galã, Keith Carradine levou a única estatueta do Oscar de 1976, que naquele ano fora dominado pelo também excelente "Um Estranho no Ninho". Composta e interpretada pelo próprio ator, a música tornou-se um símbolo desse filme que contem dezenas de músicas boas de Folk e Country. A cena em que ela é entoada, também é majestosa. O cantor Tom Frank (Carradine), convida Linnea (Lily Tomlin) a vê-lo tocar em um clube noturno local. Mesmo arrancando o suspiro de várias garotas mais jovens, o artista se apaixona pela simplória mulher de Nashville que se dedica ao Gospel e a seus dois filhos deficientes auditivos.

Aliás é válido ressaltar que os desempenhos musicais de "Nashville" saltam aos olhos. Muitas músicas são deliciosas como a já citada "I´m Easy" e "It Don't Worry Me", ambas compostas por Keith Carradine. As apresentações de Barbara Jean também são de ótima qualidade, contrabalançando às histéricas Connie White (Karen Black) e a citada Suellen Gay, que arrancam propositais desempenhos de mal gosto.

Com essa mistura de temas sociais e música, Altman usou de sua convencional sutileza para dirigir uma das críticas mais bem realizadas da sociedade estadunidense. "Nashville" é considerado em muitas listas ao redor do mundo, como um dos 100 melhores filmes da história. Através dos tempos, esse filme criou seguidores nos EUA, sendo o aclamado Paul Thomas Anderson (Magnólia e Sangue Negro), um dos seus fiéis seguidores. Confira.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

PRÓXIMAS ESTRÉIAS DE BLOCKBUSTERS

Com o fim de Abril, as produtoras lançam suas principais cartadas para arrecadar milhões nas bilheterias. Portanto é nesse período em que os blockbusters mais esperados estreiam. Infelizmente a originalidade é deixada de lado, pois os supostos sucessos são refilmagens, adaptações de quadrinhos e games, ou histórias de ícones já contadas anteriormente nas telas. Isso se não for continuação de uma franquia de sucesso. Todas essas fórmulas estarão brevemente em um cinema próximo a você.

30 de Abril-A NIGHTMARE ON A ELM STREET
Esperada refilmagem para os fãs do icônico vilão Freddy Kruger, "A Nightmare on a Elm Street" tem seu protagonista estrelado pelo medonho e competente Jackie Earle Haley. O ator que já foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante por "Pecados íntimos", demonstrou empolgação com o produto final, que promete violência, além de revelar a origem da demoniaca entidade de Kruger.

07 de Maio-IRON MAN 2
Após o divertido desfecho de "Iron Man", Tony Stark agora tem que lidar com sua fama de super-herói, e consequentemente com vilões perigosos, tal como Whiplash, interpretado pelo cultuado Mickey Rourke. Além da aguardada tecnologia tridimensional que promete bater recordes do verão 2010, o elenco do filme está lotado de estrelas; Robert Downey Jr., Scarlett Johansson, Samuel L.Jackson, Gwyneth Paltrow, Sam Rockwell, Don Cheaddle e o já citado Rourke.

14 de Maio-ROBIN HOOD
Russell Crowe, apesar de ter envelhecido bastante nessa década, tem sua última oportunidade como protagonista em "blockbusters" no esperado "Robin Hood". Apesar da dupla Crowe e Ridley Scott já terem tido sucesso com o bom "Gladiador", a história é bem conhecida e terá uma censura baixa (13 anos), já que o cineasta quer que o público não se restrinja somente à maiores de idade. A baixa sanguinolência pode ter efeitos negativos no produto final de "Robin Hood".

21 de Maio-SHREK FOREVER AFTER
Após a decepção pelo terceiro filme da saga do ogro verde, a Dreamworks Animation ainda aposta em Shrek. O quarto filme não é tão esperado, pois a decepção com o terceiro foi muito grande. Contudo os produtores garantem muita diversão e humor, somados à tecnologia tridimensional que está levando muitas pessoas ao cinema.

28 de Maio-PRINCE OF PERSIA-THE SANDS OF TIME
O carisma de Jake Gyllenhaal somado ao sucesso do game homônimo, poderá render um bom dinheiro à Walt Disney, produtora do longa. Mike Newell que já dirigiu um filme de "Harry Potter" também está à frente dessa película, que tem no elenco a bela Gemma Arterton, além do onipresente Ben Kingsley e o talentoso Alfred Molina.

TOP 5-EUA

Fim de cinema disputado nos cinemas norte-americanos. Com o começo da primavera no hemisfério norte e a aproximação das famigeradas férias de verão, as produtoras lançam desde o começo de Abril suas "cartas na manga". A Dreamworks por exemplo voltou a ficar em primeiro lugar com "How To Train Your Dragon", uma animação em 3-D muita boa do mesmo estúdio de Shrek. Já "Kick-Ass" ficou em segundo por pouco menos de U$200 mil. A película adaptada do quadrinho homônimo é comparada com "Superbad" misturado com "Kill Bill" e candidato à cult favorito.

Na terceira colocação ficou Steve Carrell e Tina Fey na comédia "Date Night". A dupla de comediantes que faz muito sucesso na televisão com suas respectivas séries, emplacou a primeira posição entre os mais vistos na última semana. Já o remake desnecessário de "Death at a Funeral" (filme inglês de 2007) ficou em uma quarta posição surpreendente, já que a crítica detonou o filme de Neil La Bute.

A grande decepção do ano até agora ficou por conta da quinta colocação. "Clash of the Titans" usufrui da pior maneira possível da tecnologia 3-D. Segundo espectadores que já viram a película, a mitológica história possui dezenas de falhas na reprodução do sistema tridimensional, deixando seus personagens deformados e desproporcionais. Vale lembrar qu o filme tem previsão de estréia no Brasil no dia 21 de Maio.

Confira os números abaixo.

1-) How to Train Your Dragon
Já arrecadou: U$159 milhões
2-) Kick-Ass
Arrecadou na estréia:U$19,8 milhões
3-) Date Night
Já arrecadou:U$49.2 milhões
4-) Death at a Funeral
Arrecadou na estréia:U$17 milhões
5-) Clash of the Titans
Já arrecadou: U$133 milhões

quinta-feira, 15 de abril de 2010

INDICADOS À PALMA DE OURO EM CANNES 2010


Nessa quinta-feira foi revelado os indicados à famigerada Palma de Ouro em Cannes, principal festival de cinema do mundo. A festa desse ano vai contar com Tim Burton presidindo o jurí. O famoso cineasta vai ajudar à escolher o melhor filme dentre os indicados. Diferentemente da última edição, nesse ano os indicados não são tão consagrados. Dentre os mais conhecidos e premiados estão Abbas Kiarostami (Copie Conforme), Takeshi Kitano (Outrage), Mike Leigh (Another Year), Alejandro Gonzales Innaritu (Biutiful), Doug Liman (Fair Game) e Bertrand Tavernier (La Princesse de Monptpensier). Ja na premiação "Un Certain Regard", Jean Luc Godard (Film Socialisme), Manoel de Oliveira (Anjelica) e Hideo Nakta (Chatroom), estão entre os indicados.

Nesse ano o Brasil não repetiu o feito de anos anteriores, com filmes representantes em alguma premiação de Cannes. O festival vai ocorrer na Riviera Francesa entre os dias 12 e 23 de Maio, com abertura do aguardado "Robin Hood" de Ridley Scott. Woody Allen também estará em Cannes para divulgar seu novo filme, "You Will Meet A Tall Dark Stranger ". Confira os indicados na íntegra.

In competition
Tournee (Mathieu Almaric)
Des Hommes et des Dieux (Xavier Beauvois)
Hors la loi (Rachid Bouchareb)
Biutiful (Alejandro Gonzales Innaritu)
A Screaming Man (Mahamat-Saleh Haroun)
Housemaid (Im Sangsoo)
Copie Conforme (Abbas Kiarostami)
Outrage (Takeshi Kitano)
Poetry (Lee Chang-dong)
Another Year (Mike Leigh)
Fair Game (Doug Liman)
You, My Joy (Sergei Loznitsa)
La Nostra Vita (Daniele Luchetti)
Utomlyonnye Solntsem 2 (Nikita Mikhalkov)
La Princesse de Monptpensier (Bertrand Tavernier)
Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (Apichatpong Weerasethakul)

Un Certain Regard
Blue Valentine (Derek Cianfrance)
Anjelica (Manouel de Oliveira)
Heartbeats (Xavier Dolan)
Los Labios (Ivan Fund and Santiago Loza)
Simon Werner a Disparu... (Fabrice Gobert)
Film Socialisme (Jean-Luc Godard)
The City Below (Christoph Hochhausler)
Rebecca H (Lodge Kerrigan)
Adrienn Pal (Agnes Kocsis)
Udaan (Vikramaditya Motwane)
Tuesday, After Christmas (Radu Muntean)
Chatroom (Hideo Nakata)
Aurora (Cristi Puiu)
Ha Ha Ha (Hong Sangsoo)
Life Above All (Oliver Schmitz)
Octubre (Daniel Vega)
R U There (David Verbeek)
Chongqing Blues (Xiaoshuai Wang)


Naomi Watts e Sean Penn contracenam juntos novamente em "Fair Game" de Doug Liman

Takeshi Kitano dirige e protagoniza "Outrage", seu mais novo filme sobre máfia japonesa.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

UM CORPO QUE CAI (1958)


Porque "Vertigo" não fez sucesso entre crítica e público no ano em que foi lançado? Porque a atuação de Kim Novak não teve sua merecida homenagem por ser umas das mais intensas da história da sétima arte? E porque a icônica trilha sonora de Bernard Herrman, para essa película é apenas restrita à admiradores de Hitchcock, diferentemente da popular trilha que compôs em "Psicose"? Todas respostas são resumidas em um ponto. Devido a genialidade de um homem que a frente de seu tempo, criou um clássico absoluto da sétima arte.

Desde as incríveis imagens em espiral do crédito inicial, até o surpreendente pesadelo do personagem de James Stewart. O roteiro envolvente conta a história de John Scottie, um detetive recém aposentado, graças a sua acrofobia (medo de altura). Durante uma perseguição, Scottie fica pendurado no telhado e tenta ser socorrido por um colega policial. Fatalmente o homem perde o equilíbrio e morre. O detetive então se sente culpado pela morte do policial que tentou lhe ajudar. Contudo, na ociosidade de sua aposentadoria, Scottie consegue um bico, com um antigo conhecido de faculdade. Gavin Elster (Tom Helmore) propõem ao recém aposentado detetive, que ele siga sua bela esposa Madeleine (Kim Novak), afim de descobrir o que a moça anda fazendo enquanto ele está ausente. Segundo Elster desconfia, sua esposa está possuída por Carlota Juarez, bisavó da mulher.

Mesmo cético com as palavras do conhecido, Scottie resolve investigar a mulher e portanto passa a segui-la. A primeira vista, a esposa de Elster bem transborda excentricidade com suas constantes visitas a um cemitério, um museu e um hotel. Os pontos apresentam significativos aspectos em comum; em todos locais mencionados, Carlota Juarez está presente de alguma forma. No cemitério Madeleine visita a sepultura da bisavó; no museu ela passa horas admirando o retrato pintado de Carlota; e por fim, se hospeda no hotel que antes era residência de sua admirada falecida.

Após uma tentativa de suícidio na Baia de São Francisco, Scottie resgata Madeleine da água, e acaba se apaixonando pela bela moça. A mulher passa a ficar mais angustiada e não para de repetir seus atordoantes devaneios ao homem que acabara de conhecer. Subitamente a paixão se torna recípocra, até que um dia em um ato de angústia, Madeleine se joga de uma torre. Devido sua fobia, Scottie não consegue segui-la até o alto da construção, e pela segunda vez acaba se responsabilizando pela morte de alguém. Deprimido o homem é internado em estado de choque, e conta somente com a visita de sua admiradora não muito secreta Midge (Barbara Bel Geddes).

Nesse ponto Hitchcock cria uma linha para dividir o segundo personagem de Kim Novak. Surge então Judy Barton, uma mulher idêntica à Madeleine. Desconfiado e obsessivo, Scottie a persegue afim de descobrir sua verdadeira identidade, já que a semelhança com a falecida amada é extrema. Nesse ponto o espectador descobre metade do mistério do filme. Hitchcock então deixa o suspense um pouco de lado, para focar a obsessão que Scottie tem pela sósia de Madeleine. Ele lhe compra novas roupas e pede para que ela pinte o cabelo de loiro, já que Judy é morena. Apaixonada pelo ex-detetive, porém frustrada e enciumada com Madeleine, Judy obedece rigorosamente aos pedidos do amado.

Ok, para quem não viu o filme, acredito que o ponto final desse texto seja aqui, pois a partir de agora escreverei alguns SPOILERS que podem acabar com a surpresa dessa obra;

Scottie descobre que Judy é a mesma pessoa que Madeleine, quando ele vê o colar vermelho que era de Carlota Juarez. A jóia era um presente que Gavin tinha dado à moça, já que Judy não era sua mulher verdadeira, e sim uma sósia de sua esposa, na qual ele a matara. Para forjar uma testemunha de suicídio, Gavin contratou Scottie já sabendo de sua fobia por altura. Por isso usara a alta torre de uma igreja espanhola para finalizar o crime perfeito. Lançou sua verdadeira esposa de cima da construção, para simular um falso suicídio, sabendo que Scottie jamais subiria até o fim.

Talvez o desfecho de "Um Corpo que Pai" seja o melhor climax que o cinema já produziu em mais de cem anos de existência. O diálogo angustiante entre Scottie e Judy revelando toda a trama por trás de Madeleine, acaba com um caloroso abraço e um suposto perdão por parte do ex-detetive. Além de sua cura para a acrofobia que lhe acometia.

Eis que surge um dos mais icônicos e misteriosos finais do cinema, quando a sombra de uma freira aparece para o casal. Judy se assusta com a sombria silhueta e fatalmente cai do mesmo local onde supostamente Madeleine teria se jogado.

Hitchcock magistralmente trata o filme com cuidados e detalhes dignos de um mestre sistemático. Seu fascínio por espiral pode explicar algumas cenas da películas, como o penteado de Madeleine que coincide com o do quadro de Carlota, e o lance de escadas da torre onde ocorre os fatos mais importantes do filme, atordoando os espectadores (de forma positiva é claro).

Cada cinéfilo com sua interpretação para o simbólico desfecho. No meu ponto de vista acredito que a película antes de tratar de um crime ou um romance, mostra o transtorno de um homem (tanto é que o nome original do filme é "vertigem"). Tal enfermidade demonstrada pelo protagonista se resume ao seu medo diante à altura. Intrépido nos segundos iniciais da trama, o detetive logo se acovarda diante de seu medo. Já nos segundos finais, sua fobia se esvaira e traz a tona novamente aquele heróico detetive que perseguia marginais fugitivos. Hitchcock simplesmente tratou de mostrar o transtorno de Scottie, pontuado por um intrigante história sobre uma misteriosa mulher. A espiral, que remete tontura devido a vertigem, desnorteia o protagonista da trama, mesmo em momentos que não está nas alturas. Pateticamente, Judy é morta de forma metafórica, tal qual a torturosa acrofobia de Scottie. O sino tocado pela freira representa a redenção e cura do personagem.

Como dezenas de teorias, tracei a minha, independente se estiver certa ou não. Apenas sei que para uma obra ser considerada de qualidade, antes de mais nada precisa cativar seu apreciador, mesmo após o término da experiência. "Um Corpo que Cai" é uma prova concreta de que esse tipo de arte existe e transcede às telas de cinema, para o imaginário do espectador. Isso é definição para obra-prima.

sábado, 10 de abril de 2010

AMANTES (2008)


"Amantes" é um exemplo de um roteiro simples e bem articulado, que nas mãos de um bom cineasta, pode se transformar em uma película maior do que deveria. Certamente James Gray é um diretor do segundo escalão hollywoodiano, dirigindo pequenos filmes com grandes astros. "Os Donos da Noite" (2007) e "Caminho sem Volta" são duas de suas películas estreiadas por grandes atores do cinema estadunidense. Em "Amantes", Gray conta com talento estimável de Joaquin Phoenix, que desde então nunca mais atuou, e da regular Gwyneth Paltrow que está muito bem nesse longa. Já a quase desconhecida Vanessa Shaw, atua muito bem deixando boas impressões para projetos futuros.
A história como eu escrevi acima é bem simples. Leonard (Phoenix) é um trintão judeu que trabalha na lavanderia de seu pai. Deprimido, o homem tenta se afogar logo no início do filme afim de dar um término em sua sofrida vida. Após desistir do suícidio, Leonard conhece Sandra (Shaw), uma jovem e bonita moça que aparentemente se interessa pelo homem. Contudo Leonard se apaixona pela vizinha, uma assistente advocatícia chamada Michelle (Paltrow). Se tornam amigos e começam a sair juntos, até que Leonard descobre que ela gosta de um outro homem. O problema é que ele é casado e tem filhos. Frustrado o homem tenta se aproxima de Sandra, mulher que aparentemente se interessa por ele mais do que sua vizinha. Contudo Michelle o procura incenssantemente afim de pedir conselhos amorosos ao apaixonado amigo. Leonard tenta de todas as formas se desvencilhar da bela mulher, contudo ele se sente cada vez mais atraído. Ao mesmo tempo engata um relacionamento com Sandra. O namoro e possível casamento entre eles, pode estabelecer uma junção entre as lavanderias dos pais do casal.Após um incidente em que Michelle perde um bebê, Leonard busca alternativas para ajuda-la. Então a mulher decide se separar do homem que tanto ama, deixando seu apaixonado amigo em um dilema.

Claramente o roteiro mostra os anseios e erros que um desiludido homem apaixonado pode cometer pelo amor platônico. Ao mesmo tempo, deixando uma real oportunidade de lado para se aventurar em um desconhecido caminho. Mesmo parecendo piegas, "Amantes" é um romance pouco meloso e bastante realista, tratando da eterna questão do "amor errado".

Apesar de não ser fã de filmes românticos, devo afirmar que torci muito pelo protagonista da trama. Phoenix, doa-se ao personagem, tranformando-o em uma pessoa comum e complexa. A densidade de sua atuação, veio da liberdade que o cineasta James Gray, deu ao ator para improvisar quando quisesse. É incrível como pequenos gestos e atos, humanizam tanto o protagonista da trama. O ritmo lento e para muitos arrastados, também determina o ótimo resultado final de "Amantes", contendo uma bela e rica fotografia, além de uma trilha sonora eclética e de qualidade.

O filme foi indicada à Palma de Ouro em Cannes e ao prêmio de melhor filme estrangeiro no César. Em ambas premiações, Gray não levou nada. Contudo "Amantes" não será brevemente esquecido, pois já tem a merecida honra de ser um dos melhore filmes românticos da década.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

12 HOMENS E UMA SENTENÇA (1957)

"12 Homens e Uma Sentença" é mais do que uma bela obra-prima sobre justiça. O filme de estréia de Sidney Lumet é uma revisão antropológica da sociedade estadunidense da metade do século XX. O filme retrata um júri popular, que tem a árdua tarefa de dar a sentença à um pobre jovem que é acusado de assassinar seu pai. A príncipio todos concordam em acusa-lo, com exceção do Jurado 8 (Henry Fonda magnífico). Sozinho, o homem contraria a posição dos demais jurados, mesmo não se baseando em um argumento forte. O simples fato de discutir sobre o crime, para o Jurado 8, é um ato nobre no qual ele acredita que o acusado tem direito.

Ao expor doze homens comuns em uma situação delicada, o roteirista Reginald Rose criou ícones que representam personalidades e facetas comuns do povo norte-americano. Temos o fanático por beisebol, o Jurado 7 (Jack Warden) que tenta limitar seus argumentos, afim de assistir ao jogo de seu time. Já o Jurado 10 (Ed Begley), é um velho carrancudo que não prioriza o crime em si, mas sim seu preconceito em relação aos pobres. O Jurado 3 (Lee J.Cobb) se apoia com convicção da culpa do acusado, tanto quanto no seu orgulho e na máscara de durão diante do abandono de seu filho. Além deles, o filme mostra a faceta do idoso, que no caso do Jurado 9 (Joseph Sweeney) é um homem cheio de mágoas, mas dono de uma perspicácia incrível e fundamental para o decorrer da trama.

Lumet aproveita a claustrofóbica sala, com planos de câmeras inusitados. Hora algum personagem é "expremido" em um ângulo fechado, hora todos os personagens são vistos ao mesmo tempo em um plano aberto. É interessante notar, como pequenos detalhes na película fazem diferença e podem mudar o foco do filme. Por exemplo, no começo do filme a sala em que ocorre toda a trama está muito quente, deixando os jurados totalmente suados e incomodados. É como se a tarefa de fazer parte de um júri fosse algum castigo. No meio da trama, o Jurado 7 consegue ligar o ventilador que até então não funcionava, aliviando o calor dos homens enclausurados no local. A partir desse ponto, os personagens levam o caso do garoto com maior afinco e passam a olhar as possibilidades com maior atenção. Seria um mero acaso, se não fosse tão bem elaborado pelo roteirista e bem estruturado por Lumet. Detalhe esse, quase raro em filmes da época.

Além dos belíssimos planos, dos detalhes e realismos do roteiro e da atmosfera densa, "12 Homens e uma Sentença" também é um show de atuações. Destaque para a simplicidade de Henry Fonda; a raiva repremida de Lee J.Cobb; a sabedoria e serenidade de Joseph Sweeney; a forma carrancuda de Ed Begley; George Voskovec, um dos membros do jurí que é vítima de xenofobia pelo Jurado 7. Sua sabedoria estrangeira é tão notável quanto sua honestidade e dever de cidadão justo.

O filme que recebeu uma bela refilmagem homônima de 1997, é uma grande obra do cinema, que não envelheceu nada nesses 53 anos desde sua estréia. Além de uma crítica à sociedade norte-americana, e ao poder da justiça que um homem comum pode exercer, "12 Homens e uma Sentença" é um belo suspense dramático no qual o próprio Henry Fonda teve a honra de produzir. Por sinal seu primeiro e único filme como produtor. OBRA-PRIMA.
 

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